sábado, 31 de julho de 2010

Clarisse

Chegando em casa, Túlio notou que a porta da sala estava entreaberta. Ele nunca deixou de verificar as portas e as janelas quando saía. Então, entrou bem devagar olhando tudo à sua volta. Na sala e na copa, parecia tudo normal. Continuou andando sempre com muita atenção. Quando chegou na cozinha viu que não havia ninguém, achou muito estranho tudo aquilo, revistou todos os outros cômodos da casa, mas não havia absolutamente mais ninguém além dele.
Algum tempo depois, o telefone da casa de Túlio toca. Ao atender ele recebe a notícia de que sua colega de faculdade havia sofrido um grave acidente e falecera.
***
Clarisse voltava da casa da avó no interior de São Paulo com sua mãe, que dirigia o carro; a viagem era longa e cansativa. Ela tentava se distrair de todas as maneiras possíveis, ouvia musica, tentou ler um livro, mas algo a incomodava muito, ela não entendia o que estava acontecendo. Tentou várias vezes dormir, mas não conseguia, mesmo não tendo fechado o olho na noite anterior. Parecia que Clarisse pressentia algo, algo horrível e inexplicável. Quando anoiteceu, após a parada para o café, Clarisse começou a sentir calafrios e arrepios. Ela falou com a mãe dela mas não deu em nada, então pediu pra esperar ela melhorar pra seguir viagem mas sua mãe não deu ouvidos. Na saída, um ônibus que tinha perdido o freio bateu no carro onde estavam. Ela e a mãe tiveram graves ferimentos, e Clarisse morreu no local.
***
Túlio sem ação ao saber da noticia, pensou como uma mulher tão jovem pudesse perder a vida tão facilmente. Rapidamente ele ligou para os amigos mais próximos de Clarisse pra saber detalhes do que aconteceu. Combinaram de irem todos ao velório e ao enterro de Clarisse e posteriormente visitar sua mãe no hospital.
Na volta pra casa, Túlio ia por uma rua escura e deserta, era uma hora da manhã, a noite estava nublada e não se via uma estrela no céu e nem a lua. De repente, ele ouviu um som. Parecia um canto de morte, pela tristeza das notas entoadas. Olhou em volta e o canto parou. Não havia ninguém. Virou-se novamente para frente e o canto recomeçou. Um calafrio percorreu seu corpo. Achou que estava completamente louco ou começando a imaginar coisas. Até chegar em casa não ouviu mais nada, somente o barulho do seu velho carro.
Cansado, chegou e foi direto para a cozinha preparar algo para comer. Misteriosamente a luz da cozinha começou a piscar, parecia que havia acontecido alguma falha na rede elétrica da rua. Ao chegar na janela, viu que somente a luz da sua cozinha piscava insistentemente. Incomodado com aquilo, resolveu ver o que estava ocorrendo na luz mas nenhum erro achou. Resolveu curar esse incômodo tirando a lâmpada da boquilha. Ainda desconfiado que algo sobrenatural estava acontecendo, ele saiu da cozinha que agora estava escura e direcionou-se para o seu quarto, pretendia agora tomar um bom banho quente e relaxar para esquecer o dia ruim e longo que tivera.
Ao preparar as coisas para ir tomar banho, Túlio tem a estranha e incômoda sensação de estar sendo observado por alguma coisa ou por algum ser; ele morava sozinho e tinha a certeza que não havia mais ninguém em sua casa. Tirou seu pijama do guarda-roupa, mas não fechou a porta pois iria pegar o cobertor e o travesseiro. Ao virar as costas pra colocar o pijama na cama, ouviu um grande estrondo e a impressão de que a porta do seu guarda-roupa acabara de bater bem atrás das suas costas. Rapidamente e com muito medo ele olhou para trás, mas a porta permanecera aberta e do mesmo jeito que ele havia deixado. Mas como, se o que escutara era tão real? E ele sentiu o vento passar por sua espinha quando a porta se fechara. Amedrontado e sozinho, ele seguiu com seus afazeres.
Tirou a colcha que cobria sua cama e colocou na cadeira ao lado, foi até o guarda-roupa e pegou o cobertor e o travesseiro e jogou na cama e seguiu para o banheiro. Ligou o chuveiro e o deixou ligado enquanto tirava a roupa, a sensação estranha não havia passado. O banheiro estava todo fechado, inclusive a janelinha que havia ao lado do chuveiro. No início de seu banho, enquanto molhava e passava xampu em seu cabelo, sentiu um frio que percorria por todo seu corpo, começou pelo seu cabelo e foi descendo por suas costas e incontrolavelmente por suas pernas até chegar aos seus pés. Sentia-se completamente congelado, imóvel ali embaixo esperou aquela coisa horrível passar e foi se enxugar.
Enxugou-se e vestiu seu pijama no banheiro mesmo como fazia habitualmente. Terminado de se vestir seguiu novamente até seu quarto, apagou a luz assim que entrou no cômodo e deitou-se. Imediatamente ele acendeu a luz do abajur que ficava em seu criado ao lado direito da cama. Ficou relembrando por alguns instantes todo seu dia conturbado e lembrando de Clarisse em vida, e que pouco a conhecia.
Demorou um pouco pra pegar no sono, estava muito cansado. No meio da noite, a sua rua estava totalmente em silêncio quando algo paranormal começou a acontecer: ruídos estranhos e batidas fortes nas paredes. Túlio acorda do seu sono pesado. Assustado, ele achou que sua casa estava sendo assaltada, num pulo súbito ele foi olhar pela janela se alguém estava lá fora. Ao chegar perto da janela, ele leva o maior susto da sua vida e caiu pra trás, ficando tão desesperado que não conseguia nem respirar, perdeu toda a coloração do seu rosto. Túlio tinha visto o semblante de Clarisse no reflexo da janela. Ele pensou em contar para seus amigos mas pensou bem e resolveu não contar. Com certeza achariam que era uma invenção da sua mente e o ignorariam.
Passou a noite em claro com um medo enorme, e quando fechava os olhos não conseguia mantê-los fechados. No dia seguinte passou o dia fora, trabalhou o dia todo, mas não conseguiu se concentrar em absolutamente nada, sua mente se lembrava a todo instante o que vira à noite.
Durante um tempo não ocorreu essas aparições. Túlio seguiu sua vida normalmente, apesar de nunca ter esquecido do rosto de Clarisse que martelava na sua mente todo o tempo.
Exatamente um mês depois da morte de Clarisse, Túlio estava em sua casa no final de semana vendo um filme, quando ele vê um vulto passando. Achou que não era nada e continuou a ver o filme, segundos depois a tela da televisão começa a tremer. Achando que ela havia estragado, ele se levantou e bateu na parte de cima da TV. A televisão melhorou a imagem, parou de chuviscar, mas ao se virar para trás ele viu Clarisse sentada no sofá. Desesperado, ele esfregou os olhos com muita força e pressa para que aquela imagem pudesse sumir diante de seus olhos. Ao abrir os olhos, Clarisse havia desaparecido, ele se acalmou e sentou-se no sofá. Quase pegando no sono, ele ouviu um estrondo vindo da cozinha, parecia ser o barulho da porta da geladeira batendo. Túlio foi verificar com muita cautela o que tinha acontecido, pensou ser um assaltante ou que somente deixara a porta ou da geladeira ou de algum armário aberta.
Chegando na cozinha, Túlio soltou um grito e o barulho ecoou pela casa toda, ficou boquiaberto parado na porta. O que ele vira fez sentir seu coração bater tão rápido que era possível ele saltar pela garganta e cair ali mesmo no chão bem na sua frente.
Havia uma frase, uma frase escrita com sangue bem na porta de sua geladeira que dizia: “eu amo você e vou levar você comigo.
Túlio saiu em disparada pra limpar rapidamente, passou a mão naquele sangue, que parecia que tinha acabado de sair do corpo de uma pessoa, sem lembrar que suas mãos estavam sujas ele levou-as ao seu rosto e escorregou pela geladeira até o chão. No instante em que estava sentado no chão começou a ouvir uma voz em sua mente que repetia continuamente, sem cessar por um só instante. Percebeu instantaneamente que se tratava da voz de Clarisse.
Perturbado com aquilo tudo, Túlio levanta-se e vai lavar sua mão e o rosto. Tentou dormir, mas não conseguiu, foi até o armário de remédios e tomou vários comprimidos para dormir. Voltou para cama e dormiu.
Enquanto dormia, começou a ter um sonho muito estranho. O sonho começou com Clarisse correndo na praia. Depois de um tempo Túlio aparece correndo junto a Clarisse, parecia ser um sonho muito bonito e feliz, mas isso acabou em segundos. De repente, ele estava no seu quarto, ela subia por sua cama com a feição de quem queria matá-lo. Clarisse chegou perto de seu rosto, deu-lhe um beijo e grafou com uma coisa pontiaguda o seu nome no braço de Túlio. Ele acordou assustado, sentou-se na cama e conferiu seu braço. Pra sua surpresa, aquilo não era somente um sonho, seu braço estava ensanguentado e com o nome de Clarisse escrito em sua pele.
Sem saber mais o que fazer pra se livrar disso, ele começou a gritar loucamente perguntando o que estava acontecendo e o que Clarisse queria com ele. Num piscar de olhos, Clarisse apareceu bem na sua frente. Começou a falar com ele que o amava muito em vida, mas que ele a havia rejeitado e a tratado como se não existisse. Disse também que sua vingança estava sendo feita e que ela levaria Túlio a todo custo. Túlio a perguntou se havia algo a se fazer para ela parar com essa loucura. Clarisse respondeu em alto e bom som que não, e desapareceu.
A cada dia que passava, Túlio ficava mais perturbado e achando que estava ficando doido, as aparições de Clarisse não pararam de acontecer. Túlio já tinha aberto mão de tudo em sua vida, a faculdade, sua família, não saía mais de casa, temia que algo acontecesse com ele.
Em uma madrugada, Túlio dormia quando algo aconteceu. Ele abriu os olhos e viu uma sombra, mas não era Clarisse, era a imagem distorcida de algo que não sabia o que era. Sua visão estava embaçada e por causa do escuro não conseguiu distinguir a imagem que vira.
Aquela imagem foi chegando mais perto dele, e quanto mais perto ficava, mais desesperado ele ficava. Essa sombra deu mais um passo e entrou em seu corpo, entrou pela boca, foi rasgando cada parte da garganta, seu corpo fico gélido, como se acabasse de falecer. Após gelar todo, sentiu seu corpo arder em chamas. Sua mente esvaziou por um instante. No momento seguinte, viu lembranças, e essas lembranças não pertenciam a ele, mas sim a Clarisse. Ele viu cada instante em que Clarisse o vira, desde o primeiro momento até o ultimo, todos seus pensamentos, e o tamanho do que ela sentia por ele, todos os motivos os quais levaram ela a cometer essa loucura.
Completamente em transe como se fosse um zumbi, Túlio foi em direção a sua cozinha, pegou uma faca afiada e foi para o carro. Dirigiu durante muito tempo até o local onde Clarisse faleceu.
Clarisse, que nesse momento controlava Túlio, falou com ele que naquele momento sua vida acabara. Ela o queria mais que tudo e não conseguiu ter ele em vida, portanto iria matá-lo para ter ele sempre com ela.
A mão de Túlio subiu a faca involuntariamente até a frente de seu peito, enfiou-a com toda força em seu coração. Nesse momento ouviu a voz de Clarisse dizendo que aquilo que ela tinha feito com o coração dele era o mesmo que Túlio fizera com o seu coração durante muito tempo, despedaçando, machucando e fazendo-a sentir muita dor.
Túlio morreu no mesmo leito de morte da pessoa que o amava. A família de Túlio foi avisada do ocorrido e foram todos para lá o mais rápido possível. Tentaram de todas as maneiras salvá-lo, mas já era tarde demais. Fizeram investigações em sua casa, entrevistaram pessoas e família, mas ninguém soube realmente o motivo do suposto suicídio.

Ana Carolina - 202

Nenhum comentário:

Postar um comentário